Somos um mundo interdependente e temos de aprender a viver com a interdependência.
Temos de criar parcerias. O problema do “amanhã” vai ser justamente este.
Como cooperar e trabalhar juntos para mudar o mundo?
José Brito
O lançamento do segundo número da Revista Mundo Crítico, uma iniciativa da ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos - e do CESA – Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina – realizou-se no passado dia 12 de julho, na Galeria ZDB, em Lisboa.
Na ocasião realizou-se um debate em torno da temática da “Inovação e Desenvolvimento”. O encontro deu sequência às Conversas Imperfeitas entre Rui Santos e José Brito que abriram o referido número da Revista.
Para além de Rui Santos, Vice-Presidente da CESO e membro do Conselho Consultivo do Mundo Crítico e de José Brito, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde que se dedica actualmente à promoção de iniciativas em torno da inovação em África, estiveram igualmente presentes Ana Paula Fernandes, Directora da recém-criada Unidade de Inovação da OCDE e a jornalista Cândida Pinto que moderou a conversa.
Com África no horizonte, a Conversa Imperfeita centrou-se sobretudo na temática da cooperação para o desenvolvimento e nos novos desafios que neste âmbito hoje se colocam, face um mundo em mudança cada vez mais globalizado e interdependente.
Os intervenientes sublinharam a necessidade de se encontrarem novas respostas em relação a modelos e conceitos em que, nas últimas décadas, se sustentou a Ajuda Pública ao Desenvolvimento, os quais se enquadram num contexto político, económico e social particular – a partir da segunda metade do século XX – encontrando-se hoje desfasados dos novos desafios que se colocam à escala global.
Rui Santos considerou a este respeito que "importa passar para outro patamar. Há uma energia da sociedade civil, na Europa, em África, na Ásia, na América Latina e depois há instituições que não encontraram ainda resposta para canalizarem esta energia. Quando trabalhamos para as instituições internacionais que financiam os projectos de desenvolvimento, o que eu vejo é fundamentalmente um foco muito grande na gestão do contrato e menos na gestão da iniciativa, menos na gestão do desenvolvimento propriamente dito".
Rui Santos salientou que "as novas gerações vão ser mais participativas e exigir mais, não só dos seus governos, como também dos parceiros para o desenvolvimento. O futuro em África deixou de ser desenhado e convencionando por uma elite de “sábios”. Os jovens já não querem esta cooperação e não acham que o desenvolvimento seja um assunto restrito de políticos e dirigentes, ambicionando alcançar respostas concretas para os seus problemas e para as suas vidas".
Neste contexto, considera a inovação social como dimensão fundamental do desenvolvimento na medida em que esta "é portadora de mudança, informação, educação, conhecimento e, por isso, de maior exigência e cidadania".
O que saber fazer com a informação é, portanto, no seu entender, o grande desafio que se coloca às lideranças africanas e a todos os parceiros. Investir neste “elo perdido” em África que é "aquele que nos permite construir o futuro por nós próprios; termos uma atitude crítica perante quem nos lidera, é a capacidade de transformar aquilo que recebemos em conhecimento. E para isso precisamos de educação que é a vertente que pode fazer a diferença."
Rui Santos referiu vários exemplos de boas práticas e de inovação, entre os quais o projecto Givewatts que foi realizado no Quénia e o qual considera ser um exemplo positivo de corporate social responsability.
A partir de uma lâmpada que é carregada numa escola, através de um painel solar e que é oferecida aos alunos, estes passam a poder estudar após o período escolar. Por disporem de luz à noite, as famílias são também beneficiadas por enviarem as crianças para a escola.
Para José Brito é fundamental resolver todo o sistema de ajuda ao desenvolvimento em África que é de dependência; têm a solução e nós só temos de aceitar as soluções que estão a vender.
Brito destaca que a amplitude e velocidade das transformações no mundo evidenciam a incapacidade para se conseguir compreender o que está a acontecer. Nessa medida assinala o que considera ser uma "contradição essencial dentro das sociedades, entre aqueles que continuam a pensar que as soluções do passado podem resolver os problemas do futuro. (…) Temos de fazer “shift” cultural, de compreender que o mundo está a evoluir, tem de evoluir também com a sociedade e que esta tem de evoluir."
E, adianta:
"Em relação à sociedade civil africana, hoje em dia estão informados, mas ainda não sabem utilizar as novas tecnologias e a informação para fazerem as transformações necessárias a nível político para mudar a sua vida. Por enquanto, é um movimento mais ou menos marginal e que reage muitas vezes por impulso quando não há conhecimento que leve um grupo de pessoas a reagir para poder modificar o status quo. E aí temos a necessidade de passarmos à questão da formação, mas não somente da sociedade civil; há um déficit de conhecimento das elites e concretamente dos políticos africanos."
Enquanto promotor da recente edição do Fórum África Innovation Summit que se realizou em junho passado no Rwanda, Brito referiu que a preparação da iniciativa partiu sobretudo da constatação de não se perceber que a inovação é, no essencial, um ecossistema, dotado de uma componente financeira, académica, privada e detendo uma relação importante com as políticas públicas. Sublinhou também existir, por parte dos promotores do evento, uma noção muito clara que muito pouco da inovação que é realizada seja efectivamente acolhida pelo mercado.
O propósito da Cimeira foi, por isso, "discutir como mobilizar a iniciativa privada, trazendo ministros, chefes de estado e inovadores ao debate numa perspectiva em que as inovações se destinam a resolver os problemas quotidianos dos africanos, fixando a educação, saúde, energia e boa governação como áreas prioritárias."
O entusiasmo e a participação em torno desta iniciativa foi, segundo Brito, “extraordinário”, tendo recentemente sido criada uma plataforma onde todos se possam encontrar e dialogar permanentemente.
"Ainda temos de fazer muito para mudar a relação de dependência que sempre existiu e compete aos africanos fazerem a mudança. É por isso que eu sou muito directo; estamos num mundo interdependente, precisamos de estar juntos, podemos considerar o desenvolvimento como um trabalho feito com o ocidente, há aí uma evolução tecnológica que me permite, de facto, beneficiar para desenvolver mais rapidamente, mas as relações têm que ser mudadas".
A incapacidade das organizações multilaterais anteciparem a gravidade da crise financeira a nível mundial, a qual teve enorme impacto ao nível do emprego e na diminuição da ajuda pública ao desenvolvimento noutros países teve, segundo Ana Paula Fernandes, um impacto decisivo junto da OCDE. No seu entender, "houve posteriormente o reconhecimento da necessidade de se proceder a uma renovação estratégica da organização permitindo a criação de novas dinâmicas perante novos desafios, designadamente no domínio da inovação e do desenvolvimento."
É neste sentido que se assinala a criação recente, na Divisão de Desenvolvimento, de um departamento para estudar, por um lado, a inovação em matéria de políticas públicas da cooperação para o desenvolvimento e, por outro, na perspectiva da previsão do desenvolvimento futuro dessas políticas financeiras.
No que tem a ver com o relacionamento com África, Ana Paula Fernandes defende a necessidade de se abrir e aprofundar um diálogo político estratégico que não seja o da perpetuação da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, referindo:
"O nosso papel é trazer (África) para a mesa das negociações quando nós estamos a discutir questões como Segurança e Desenvolvimento e questões como Desenvolvimento do Sector Privado; porque é que não podemos ter países africanos à volta da mesa? Porque é que não temos os países que são directamente afectados por estas decisões que os doadores estão a tomar, na OCDE, a discutir connosco?"
A concluir esta Conversa Imperfeita, Fátima Proença – Directora da ACEP - Associação para a Cooperação Entre os Povos - e membro do Conselho Editorial da Revista, considerou que "se o Mundo Critico contribuir para a renovação deste ecossistema da inovação, com outros e assim criar estes espaços de debate, para nós é uma grande vitória ou um grande avanço naquilo que são as nossas expectativas quando nos lançámos nesta aventura. E por isso vimos isto como um processo em construção que não é nosso, é de todos".
Aceda ao segundo número da Revista Mundo Crítico.
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Agosto 2018